INTRODUÇÃO À GENÉTICA
Genética é a Ciência que estuda
como se transmitem os caracteres físicos, bioquímicos e de comportamento de
pais para filhos. Inicialmente foi desenvolvida pelo monge austríaco Gregor
Mendel, que trabalhou com a planta da ervilha, descrevendo os padrões da
herança em função de sete pares de traços contrastantes que apareciam em sete
variedades diferentes dessa planta.
O trabalho de Mendel foi
publicado em 1866, mas na prática foi ignorado até que em 1900 outros
cientistas perceberam que os padrões hereditários que ele havia descrito eram
comparáveis à acção dos cromossomos nas células em divisão, e sugeriram que as
unidades mendelianas de herança, os genes, se localizavam nos cromossomos, os
quais variam em forma e tamanho e em geral apresentam-se em pares.
Atualmente, sabe-se que cada
cromossomo contém muitos genes, e que cada gene se localiza numa posição
específica, o locus, no cromossomo. A metade destes cromossomos procede de um
progenitor e a outra metade do outro. Quando as duas metades são idênticas, diz-se
que o indivíduo é homozigótico para aquele gene particular. Quando são
diferentes, ou seja, quando cada progenitor contribuiu com uma forma diferente,
ou alelo, do mesmo gene, diz-se que o indivíduo é heterozigótico para o gene.
Ambos os alelos estão contidos no
material genético do indivíduo, mas se um é dominante, apenas este se
manifesta. No entanto, como demonstrou Mendel, a característica recessiva pode
voltar a manifestar-se em gerações posteriores, desde que, em indivíduos
homozigóticos para seus alelos.
GENÉTICA APLICADA À CRIAÇÃO DE
CÃES
As leis da hereditariedade são as
mesmas para todos os organismos vivos. A experiência nos mostra que, para se
conseguir progresso numa raça de animais, é essencial a selecção correcta dos
acasalamentos. O objectivo é produzir a uniformidade das qualidades que estão
presentes nos melhores exemplares. Significa que temos o objectivo de criar
animais não apenas perfeitos em si mesmos, mas com tendências hereditárias a
reproduzir sua própria perfeição, de modo que, por meio de uma selecção
criteriosa de acasalamentos, possamos
alcançar a excelência universal.
E isto é mais importante do que a perfeição individual.
- Um bom filhote ocasional numa ninhada não significa que o pai ou a mãe
sejam reprodutores de valor.
- Uma ninhada com cinco exemplares “muito bons” é bem mais valiosa do
que aquela que apresenta apenas um “excelente” e os demais medíocres.
Vale lembrar também que o fenótipo ( aparência externa ) nem sempre
corresponde ao genótipo (material genético) do animal. Um cão pode apresentar
excelentes qualidades, mas devido à heterozigosidade ele pode também transmitir
defeitos à sua prole.
Outros factores que não podem ser
esquecidos são:
- ambiente externo (alojamentos, higiene, área
de exercícios, vacinação, nutrição, etc.);
- ambiente interno (efeitos maternos).
Um filhote proveniente de
excelentes exemplares pode vir a pertencer a alguém que não lhe proporcione
condições de desenvolver o seu potencial hereditário, mas isto não alterará o
seu patrimônio genético.
Frise-se que a genética não está
apenas a serviço dos puristas. Todos os criadores se devem preocupar em
conhecer, ao menos, os fundamentos da hereditariedade, para não introduzirem na
criação, animais que possam transmitir características indesejáveis. O trabalho
dos puristas não deve, no entanto, ser desprezado, uma vez que é graças a eles
que existem as raças “puras” de cães que hoje conhecemos.
A expressão “raça pura” é
discutível, pois a grande maioria das raças caninas conhecidas são resultantes
de diversos cruzamentos. Donde se conclui serem “puras por cruza” e não “puras
por origem”.
A maior parte das raças de cães
nasceram das necessidades do homem, tais como: segurança, pastoreio, caça, ou
mesmo companhia.
Nesta linha de pensamento,
podemos citar o esplêndido trabalho, iniciado em 1875, por Karl Friedrich Louis
Dobermann, um simples cobrador de impostos, e por feliz coincidência,
encarregado de recolher animais abandonados.
Dobermann necessitava de um cão
capaz de protegê-lo de assaltantes em suas viagens solitárias, como cobrador de
impostos. Os primeiros cães que ele conseguiu criar eram singularmente feios,
peludos e com cabeças grosseiras, sem qualquer traço da elegância dos actuais
exemplares outrora idealizados. No entanto, sua coragem já era a toda prova, e
pela região de Apolda, onde vivia Karl Dobermann, seus cães eram notados e
reconhecidos como “os cães de Dobermann”; porém, o criador não viveu para ver
os cães que idealizara dezenove anos antes de morrer, em 1894.
Entretanto, a criação sobreviveu
ao criador, porque entusiastas desenvolveram a obra de Dobermann, até chegar
aos cães por ele sonhados: elegantes, ágeis, corajosos e absolutamente leais. A
coroação ocorreu em 1923, quando um cão da raça DOBERMANN sagrou-se Campeão em
um torneio na Alemanha.
Vimos acima que em menos de
cinquenta ( 50 ) anos após nascer a ideia, o objectivo foi alcançado. O
trabalho de um mero cobrador de impostos, baseado apenas em fenótipo, e sem
nenhum conhecimento das Leis de Mendel, obteve êxito. O que abre um campo
ilimitado de possibilidades, usando a ciência cada vez mais evoluída, que nos
permite até mesmo o mapeamento de genes. Temos agora a possibilidade de criar
novas raças em menor espaço de tempo.
Talvez até possamos indagar sobre
o que não pode ser criado !
OS DOZE ‘MANDAMENTOS’ DA
HEREDITARIEDADE
I - Não existem atalhos para o
melhoramento da raça. O melhoramento só pode ser
conseguido através de cuidadosa
selecção. A criação selectiva é o arcabouço de um programa vitorioso.
II - Extraem-se dos filhotes
menos de 50% do que os pais podem oferecer. O
aproveitamento do material
genético herdado dos pais varia de acordo com a penetrância de cada gene.
III - Cautela ao interpretar a
ocorrência casual de um facto. Neste caso devemos nos lembrar que há genes
mímicos e genes epistáticos, que podem promover resultados inesperados num
acasalamento, entretanto, esses resultados não definem o património genético de
cada animal.
IV - Itens complexos são
determinados por inúmeros genes. Muitas das características são quantitativas,
quer dizer, são determinadas por muitos pares de genes.
V - Não existe raça de cão que se
reproduza sem variações. Isto se deve à segregação independente. Genes
independentes podem ser encontrados numa raça e não constatados em outra.
VI - Condições ambientais
catalizam ou suavizam tendências genéticas.
VII - A pouca utilização do
inbreeding se deve a interesses comerciais. Os criadores que utilizam o
inbreeding estão praticando melhoramento visando eliminar ou fixar uma
característica; criadores “comerciais” não se interessam por melhoramento.
VIII - Acasalamento de irmão com
irmã produz queda na vitalidade dos filhotes. Estes acasalamentos promovem
maior degeneração de inbreeding. Os registros mostram que são muito
contraditórios os resultados comunicados por criadores que tentaram acasalar
irmão com irmã, com o intuito de fixar boas características em seu plantel.
Verificar-se-á que este tipo de acasalamento tem como consequência um
decréscimo na vitalidade e robustez dos filhotes nascidos.
IX - Os maiores efeitos do
inbreeding ocorrem nas primeiras gerações. Um grupo de pesquisadores calculou
os índices teóricos do aumento de similitude a cada continuação de acasalamento
entre irmãos. Os cálculos mais confiáveis indicam que a redução na proporção de
pares genéticos não semelhantes foi de aproximadamente 19,l% por geração depois
da primeira, na qual a redução foi de 25%. Os índices são tão rápidos, que após
dez gerações de acasalamentos entre irmãos, a partir de espécimes com 50% de
semelhança, cerca de 94% de
pares de genes são iguais. Assim,
o inbreeding apresenta seus maiores efeitos durante as primeiras gerações e
relativamente pouco efeito além da décima ou décima-segunda geração.
X - O inbreeding nada cria de
novo, mas apenas intensifica o que já existia. O inbreeding encontra a sua
melhor utilização na fixação de características. O inbreeding pode transformar
genótipo e fenótipo num denominador comum.
XI - O teste de progênie é a
única prova válida da prepotência de um cão. Aqui entra de novo o acasalamento
com consanguinidade, pois quanto mais “fechada” for a consanguinidade do cão ou
da cadela, maiores serão as chances de um ou de outro ser dominante, em
contraposição a um cão ou uma cadela que não tenha consanguinidade “fechada”.
Ao seleccionar um padreador para complementar os atributos da cadela é
importante levar em séria consideração também as qualidades dos seus pais. Isto
tudo só poderá ser observado na progênie.
XII - Acasalamentos sonhados
podem dar filhotes decepcionantes; a cadela reprodutora pode ou não transmitir
as qualidades que ela mesma possui, o mesmo podendo ocorrer com o macho.
HERANÇA
Embora difundida, é errada a
opinião de que defeitos opostos se equilibram no sentido hereditário. É
completamente impensável que uma garupa curta e caída poderia ser equilibrada,
ou melhorada, por uma longa e plana no outro par do casal; como também é
completamente impossível que posteriores superangulados possam ser melhorados
pela falta de angulação.
A única solução para chegar ao
equilíbrio é somente o correcto. Para uma garupa faltosa, uma garupa correcta;
para a má angulação, somente uma angulação correcta. No sentido deste trabalho,
devo chamar a atenção de que os antepassados do animal devem melhorar as faltas
de outro, devendo ser correctos em relação a esta falta.
Para eliminar faltas deve-se usar, para
criação, animais que não sejam portadores da respectiva falta, nem em seus
antepassados; deve-se procurar pela selecção apropriada e criar animais com
hereditariedade limpa.
herança citoplasmática - Com
relação ao mecanismo de hereditariedade, devemos argumentar que as células, a
grosso modo, se compõem de um núcleo e de plasma. Os espermatozóides são
praticamente só um núcleo movimentado pela cauda, que se parte logo após o
núcleo penetrar no óvulo. O óvulo fornece a maior parte do material de
construção para as células que se formam por divisão. Núcleo e plasma formam
uma unidade funcional, e não se pode negar que o plasma tem uma grande
influência sobre o ser que está em formação. Por isso, a herança citoplasmática
também é chamada de herança materna.
herança de factores múltiplos - O
que acreditamos ser uma característica simples (pernas, pés, cauda, etc.) é
frequentemente influenciada no seu desenvolvimento por um grande número de
diferentes genes, e não relacionados, capazes de selecção independente. É
extremamente difícil determinar os vários genes que influenciam uma determinada
característica, e definir o efeito específico que podem ter naquela
característica. Alguns genes determinam uma influência directa e completa no
desenvolvimento de uma característica (genes dominantes). Outros desempenham um
papel parcial, sendo neutralizados de certa forma pela
acção do membro oposto no par ao
qual pertencem (genes incompletos). Outros genes são completamente mascarados e
não apresentam nenhuma actuação, a não ser que tais genes sejam ambos membros
de um determinado par (genes recessivos). Temos ainda que a combinação de
actuação de genes múltiplos com factores ambientais é antes a regra do que a
excepção, em características como: complemento do corpo, altura, peso,
desenvolvimento da cabeça e do focinho, dentição, formato e tamanho dos pés,
desenvolvimento muscular e ósseo, e as tão faladas “faltas”, como ombros
caídos, costelas sem curvatura, jarretes de vaca,
jarretes fracos e pés espalmados.
Exemplificando, podemos citar o facto de que chegou-se à conclusão de que o
tamanho do corpo depende de certos genes, que actuam sobre todos os tecidos, e
de outros que influenciam certas regiões: pernas, pescoço ou cauda. A dieta, exercícios
e outras influências ambientais determinam, de certa forma, o grau com que os
genes podem estimular ou produzir o crescimento dos diferentes tecidos, órgãos
e partes do corpo.
herança bilateral - É assim
chamada a herança em que a progênie apresenta as
características dos pais
“fundidas”. Isto pode gerar animais sem harmonia. Neste caso, devemos observar
não apenas a qualidade dos pais, mas também a da progênie; óptimos cães podem
produzir filhotes medíocres, sem ser devido à heterozigosidade, quer dizer, os
genes transmitidos são desejáveis isoladamente, mas em conjunto podem provocar
fenótipos indesejáveis. Como exemplo podemos ter dois cães: a fêmea com
excelente temperamento e uma conformação
física dentro dos padrões, e o
macho com temperamento razoável e excelente estrutura, mas os filhotes podem
apresentar temperamento instável e sua estrutura pode ser alterada para má,
caso tenhamos a acção de genes mímicos.
herança atávica - Quando o
produto de um determinado acasalamento apresenta um animal diferente de
ancestrais mais próximos, reproduzindo características de ancestrais distantes.
herança homócroma - Uma
determinada característica manifesta-se na mesma idade em que se manifestou em
um dos pais. Na espécie humana, temos a calvície masculina, e nos cães podemos
citar a maturidade sexual.
herança reinvertida - O animal se
parece com um dos pais quando jovem e apresenta o fenótipo do outro na idade
adulta.
herança correlativa - Duas ou
mais características transmitem-se juntas. Muitos atributos de conformação são
correlativos com funções. Esta herança também pode ser chamada de pleiotropia.
Exemplo: determinadas raças de cães têm os olhos azuis, associados a
deficiência auditiva.
herança de caracteres adquiridos
- Neste caso, os múltiplos factores genéticos, dos quais depende toda a
constituição do animal, se desenvolvem mais ou menos segundo as influências
externas a que são submetidos. O que um indivíduo é resulta da interação do
meio e da bagagem hereditária. Quer dizer, os genes determinam o que o animal
poderá vir a ser, e não o que ele deveria ser.
DOMINÂNCIA
Dominância é quando um alelo A se
expressa fenotipicamente anulando o efeito do alelo a ; neste caso, A é o
dominante, e a é recessivo. Assim sendo, o fenótipo do alelo A é dominante, e
indivíduos AA e Aa são fenotipicamente semelhantes. Na condição heterozigota
(Aa), o alelo a está completamente mascarado, mas na condição homozigota do
recessivo (aa) não encontramos a expressão fenotípica do alelo A.
Ex.: A determina pigmentação escura
a determina pigmentação clara
- No cruzamento de dois
indivíduos heterozigotos (Aa) de pigmentação escura teremos
pai → A
a
mãe ↓ A
a
A AA
Aa
25% 25%
a Aa
aa
25% 25%
- assim: 75% da progênie terá
pigmentação escura (AA e Aa). 25% da progênie terá pigmentação clara (aa)
Vimos acima a herança de uma simples
característica, agora abordaremos a herança de duas características
simultaneamente.
O cão da raça Cocker Spaniel
Inglês possui gene dominante B para a cor preta, e um gene recessivo b para a
cor dourada, e possui também um gene T para animais altos, além de um gene
recessivo t para animais baixos.
Nos exemplos a seguir,
acasalaremos um macho homozigoto dominante (BBTT) com uma fêmea homozigota
recessiva (bbtt), e verificaremos que toda a geração F1 será
heterozigota(figura 1), e a seguir acasalaremos dois animais de F1 (figura 2):
→
figura 1 pai BT BT (fenótipo preto e alto)
↓
mãe (fenótipo dourada bt BbTt BbTt
e baixa) F1
bt BbTt BbTt
F1 = 100% de animais
heterozigotos ( BbTt) pretos e altos.
figura 2
BT Bt
bT bt
BT BBTT BBTt BbTT BbTt
Bt BBTt BBtt BbTt Bbtt
bT BbTT BbTt bbTT bbTt
bt BbTt Bbtt bbTt bbtt
resultado: 6,25% homozigotos
pretos e altos (BBTT)
50% heterozigotos pretos e
altos (BBTt, BbTt, BbTT)
18,75% heterozigotos pretos e
baixos (BBtt, Bbtt)
18,75% heterozigotos dourados e
altos (bbTt, bbTT)
6,25% homozigotos dourados e
baixos (bbtt)
DOMINÂNCIA INCOMPLETA
Muitos pares de genes são
completamente dominantes ou recessivos um ao outro. Assim temos que os
homozigotos dominantes ou heterozigotos são indistinguíveis na aparência. Em
certos casos, porém, os heterozigotos são fenotipicamente diferentes de cada
homozigoto. Genes assim são os que caracterizam dominância incompleta.
Um exemplo é o gene M para a cor
merle na raça Collie. O homozigoto MM é quase todo branco, tem olhos azuis e é
comumente surdo, enquanto o heterozigoto Mm tem marcas brancas na cabeça e
ombros, e pigmentação diluída. Já o gene recessivo m tem a pigmentação
completamente normal. Assim sendo, no acasalamento entre dois heterozigotos Mm
teremos:
pai → M m
mãe ↓ M MM Mm
m Mm mm
com apenas 25% de chances de
nascerem filhotes com pigmentação normal (mm).
PLEIOTROPIA
Por definição, pleiotropia é o
efeito múltiplo de um só gene. Exemplificando, temos a surdez
congénita que está associada a
alterações da pigmentação, tais como cor branca e olhos
azuis. Já foi sugerido um padrão
hereditário para cães das raças: Setter Inglês, Old English
Sheepdog, Collie, Cocker Spaniel
Inglês, Dálmata, Bull Terrier, entre outros.
GENES MÍMICOS
Ocorrência comum para dois ou
mais genes, independentemente da herança, eles podem exibir fenótipos similares
ou idênticos.
Esta classe de efeitos, não é
apenas coincidência, mas sim devida ao facto de que a expressão de uma
característica, por exemplo a cor, pode ser controlada por diversos genes, e
qualquer um pode sofrer mutação, produzindo efeitos finais similares.
Exemplo: Dois cães da raça Cocker
Spaniel Inglês, de cor dourada, procriam filhotes pretos; retirando um equívoco
ou erro no cruzamento, temos a definição de que dois genes mutantes produziram
fenótipo para a cor dourada em um ou ambos os progenitores, cuja cor seria, na
realidade, negra, não fosse pelo efeito do gene mutante.
PENETRÂNCIA E EXPRESSIVIDADE
Considerando a complexidade de
vias pelas quais alguns genes exercem o seu efeito no fenótipo, os efeitos de
genes reguladores na expressão de muitos genes, e as interacções ocasionalmente
complexas entre factores ambientais, genes reguladores e vias de expressão
gênica, não é surpreendente que os efeitos fenotípicos de alguns genes sejam
variáveis.
Os dois termos, expressividade e
penetrância, são usados frequentemente na discussão sobre a variabilidade dos
efeitos de genes específicos no fenótipo. Quando o grau de expressão fenotípica
varia de indivíduo para indivíduo, diz-se que o gene tem expressividade
variável. Quando a variabilidade
na expressividade de um dado gene é tal que a presença do gene nem sempre
resulta em um efeito fenotípico detectável, diz-se que o gene tem penetrância
incompleta.
Evidentemente a penetrância
incompleta é meramente uma extensão de expressividade variável de genes, onde
os efeitos no fenótipo são tão pequenos que não podem ser detectados.
A penetrância pode alterar os
fenótipos de genes normais ou mutantes, mas aparentemente o gene mutante é o
mais afetado pelas variações na expressividade.
Alguns fenótipos mutantes são
relativamente constantes, enquanto outros variam
consideravelmente.
Como exemplo, temos a formação da
cor preta, onde a variação observada é na intensidade em que a cor se
apresenta. Temos também o padrão tan, que ocorre em algumas raças, cuja
intensidade é variável, podendo se apresentar na face do animal ou na barriga,
mas sempre temos este padrão nas patas e no peito do cão, embora seja facto que
nasçam cães inteiramente negros, podendo ou não apresentar o padrão tan durante
o crescimento. Estes animais podem ser filhos de cães com excelente marcação, e
o nome deste evento é impenetrância.
Por sorte, a impenetrância não é
um factor importante na herança de cores. A expressão de um gene pode variar,
mas a penetrância é normalmente cem por cento.
EXPRESSÃO LIMITADA PELO SEXO
Um sexo pode ser uniforme na
expressão de uma característica específica, e ainda transferir os genes que
produzem um fenótipo diferente na descendência do outro sexo. Os hormónios
sexuais aparentemente são factores limitantes na expressão de alguns genes.
Existem mais factores básicos envolvidos nas características limitadas pelo
sexo. A produção de leite nos mamíferos é limitada pelo sexo.
Há genes promotores de alta
fecundidade, leite abundante e nutritivo, e habilidade materna. Estas são
heranças de genes comuns a ambos os sexos, embora eles possam se expressar
apenas nas fêmeas. A cadela pode ser deficiente de um desses factores, devido a
causas genéticas, entretanto, ela irá transmitir tal falha a todos os seus
filhotes machos e fêmeas.
ANOMALIAS CONGÉNITAS
O genoma (DNA) de um cão está
contido em seus setenta e oito (78) romossomos, trinta e nove (39) herdados de
seu pai, e trinta e nove (39) herdados de sua mãe. Assim, cada indivíduo tem
dois genes responsáveis pela mesma característica, um recebido de sua mãe, e o
outro de seu pai.
Se um dos genes de um determinado par for
modificado por mutação, o indivíduo terá, naquele par, genes diferentes, um
normal e o outro alterado. Em algumas doenças, este único gene alterado pode
causar sintomas clínicos.
PRINCIPAIS ANOMALIAS CONGÉNITAS
Astenia cutânea ou
dermatosparaxia - compreende um grupo de desordens hereditárias do tecido
conjuntivo cutâneo, no qual o animal apresenta pele frouxa, hiperextensível e
anormalmente frágil, em que o mais leve arranhão resulta em lacerações graves.
Esta doença é determinada por um gene autossômico dominante; neste caso, 50%
dos descendentes do indivíduo afectado correm o risco de serem também
afectados.
surdez congênita - está
frequentemente associada a alterações de pigmentação, tais como cor branca e
olhos azuis. É determinada por um gene autossômico dominante.
monorquidismo e criptorquidismo -
ausência de um dos testículos ou de ambos. Anomalias que podem ser apenas
temporárias, e corrigíveis através de tratamento hormonal, que em não surtindo
efeito, comprova a anomalia congênita. Provém de factores recessivos.
doença de Christmas - também
conhecida como hemofilia tipo B. Causada por uma deficiência ligada ao sexo. A
maioria dos animais sintomáticos são machos, e pode atingir cães e gatos.
síndrome de von Willebrand - a
doença é transmitida de modo autossômico. O factor von Willebrand é necessário
para aderência plaquetária. Assim, quando ele fica 25% abaixo do normal, pode
ocorrer hemorragia espontânea, mas felizmente trata-se de uma ocorrência muito
incomum.
displasia coxo-femural - é
causada por um gene recessivo e intermitente, ou seja, pode ser suprimida em
uma ou mais gerações. Nesta doença ocorre uma sub-luxação da articulação
coxo-femural, devida à instabilidade dessa articulação, porque o acetábulo não
tem profundidade suficiente para acomodar correctamente a cabeça do fêmur. A
doença, bastante dolorosa, evolui para a degeneração da articulação.
atrofia progressiva da retina - o
gene mutante responsável por este mal está localizado no cromossomo X. As
fêmeas, que têm dois destes genes mutantes, são afectadas, mas, as que têm
apenas um são clinicamente normais, porém, poderão transmiti-lo a 50% de seus
filhos. Como os machos têm apenas um cromossomo X, se eles não apresentarem o
gene anormal, a doença não se desenvolve.
SELEÇÃO NA CRIAÇÃO
Depois de abordarmos as leis
básicas da genética e os diferentes tipos de herança, e seus problemas
apontados no tópico ANOMALIAS CONGÉNITAS, vamos falar de programas básicos de
selecção na criação, HOMOZIGOSIDADE e HETEROZIGOSIDADE, bem como da utilização
de inbreeding, line-breeding ou out-cross.
Homozigosidade - É um programa em
que a tendência é trabalharmos com animais que possuam características
semelhantes, herdadas tanto da mãe como do pai, e sejam parentes consanguineos
relativamente próximos. Parentesco é geralmente dividido em graus. Os pais são
aparentados com sua cria em primeiro grau; os avós em segundo grau, e assim por
diante. No pedigree, quando observamos que o mesmo ancestral aparece várias
vezes, tanto por parte do padreador como da matriz, dentro das últimas cinco
gerações, ocorreu o que se chama de inbreeding, e significa que houve
preponderância de seu sangue. inbreeding pode ser muito intensivo, como o
acasalamento de pai com filha, mãe com filho, irmão ou meio-irmão com irmã,
etc.; porém, o mais comum é acasalar um macho com a meia-irmã de sua mãe,
produzindo desse modo, preponderância do sangue de seu avô materno. Semelhante
acasalamento é um exemplo do que é classificado como line-breeding, o qual é
muito mais recomendável do que o inbreeding intensivo, embora de resultados
menos
acelerados. Devemos lembrar que o
inbreeding ou o line-breeding intensivos acarretam uma rápida duplicação, tanto
de genes dominantes quanto de recessivos nos pares de cromossomos da nova
geração, neste caso eles podem ser utilizados tanto para fixar como para
eliminar características. No entanto, não estamos criando nada de novo: mas,
apenas, fixando características de ancestral considerado o exemplar expoente da
raça, mas, ao mesmo tempo, assume-se também o risco de intensificar as faltas
dominantes ao consolidar os traços desejáveis. Trata-se de um perigo real.
Existe ainda a possibilidade de que, em nossos esforços de selecção, venhamos a
perder o vigor do plantel. Em defesa desse programa, é válido lembrar que
nenhuma grande época ou progresso de qualquer raça puderam ser obtidos sem a
utilização do inbreeding. Na vida dos animais selvagens, no meio dos veados,
raposas, roedores, gatos, cães, cavalos, gado etc., a criação consanguínea tem
prevalecido desde tempos imemoriais, controlada apenas pela sobrevivência do
mais apto.
Heterozigosidade ou out-cross -
Neste programa trabalhamos com animais sem qualquer parentesco entre si, o que
torna a fixação de características muito mais difícil, devido à constante
introdução de diferente material genético. Somos obrigados a nos basear apenas
no fenótipo, e, na verdade, sempre estamos dando tiro no escuro. A grande
vantagem deste programa é a manutenção da variabilidade genética, que nos leva
ao vigor do híbrido, o que torna as anomalias congênitas um perigo remoto.
Sistema ideal de criação é intercalar inbreeding e out-cross; desta forma
fixam-se características, mantém-se a variabilidade genética e o vigor do
híbrido. É uma forma de selecção mais lenta para a criação, contudo mais segura
e gratificante.
Inbreeding - O acasalamento de
animais com alto grau de parentesco (pais e filhos, irmãos ou meio-irmãos) é
sem dúvida o método mais rápido para se fixar uma característica, mas também
pode resultar em uma perda de tempo. Quando acasalamos animais muito próximos
entre si em duas ou três gerações seguidas, podemos sofrer os efeitos da
impenetrância, ou seja, temos ótimos exemplares como produto final, mas sem
potencial para transmitir seu patrimônio genético. Em muitos casos, é
necessária a utilização de out-cross para recuperar o vigor genético do plantel
e o preço será a perda do trabalho desenvolvido anteriormente através do
inbreeding, já que no out-cross a variabilidade genética obtida anulará a
fixação das características que foi obtida no inbreeding.
Line-breeding - Consiste no
acasalamento de animais com baixo grau de parentesco, como tios e sobrinhos e
avós e netos , sendo esse último considerado por muitos autores como
inbreeding, o que considero discutível, uma vez que se acalarmos uma cadela com
seu avô materno, por exemplo , ainda teremos a variabilidade genética
introduzida pelo pai da cadela, o que impedirá que o genótipo fique inteiramente
restrito ao património genético da mãe da cadela. line-breeding é o meio-termo
ideal entre o inbreeding e o out-cross podendo ser usado por diversas gerações
sucessivas sem causar a perda do vigor genético, embora seja mais demorado para
a fixação de características.
Por Helena Accioli